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Cidade do Porto

2025/04/11

Incoerência entre fé e atos…

Opinião

NOVOS TEMPOS
Por Sérgio Carvalho

«Haverá uma só lei para o natural e para o estrangeiro residente que habite no meio de vós.» (Êxodo 12, 49)

«Portanto, já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus…» (Efésios 2, 19)

No dia 8 de abril, assinalou-se o Dia Internacional dos Ciganos. No mesmo dia, o Governo de Portugal divulgava, também, o número oficial de estrangeiros a viver, legalmente, no nosso país, e que atingiu pela primeira vez a fasquia dos 1,55 milhões de pessoas. Ambos os assuntos não têm a ver um com o outro, mas foi curiosa a sua coincidência. 

O povo cigano vive há séculos entre nós e, atualmente, são cidadãos portugueses de pleno direito, enquanto os imigrantes são aqueles que não possuindo a cidadania portuguesa têm a autorização de habitar e trabalhar em território nacional. São duas realidades diferentes.

Na mensagem que a Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos publicou pela efeméride referiu que «esta data é também uma ocasião para reconhecer e valorizar a história, a cultura e a identidade do povo cigano, parte integrante da riqueza e diversidade da nossa sociedade. Ao mesmo tempo, é essencial lembrar os desafios persistentes que muitas pessoas ciganas ainda enfrentam no acesso a direitos fundamentais como a educação, a saúde, a habitação e o emprego.»

Os ciganos são uma etnia, um povo, com costumes e cultura próprios, mas são cidadãos portugueses. Têm direito à diversidade e muitos esforçam-se por viver como qualquer cidadão, nas suas localidades. A maioria adotou a religião cristã, seja católica ou evangélica.

Trago este assunto, porque nos últimos tempos foi noticiada a construção e entrega de casas camarárias, no concelho de Paredes, a pessoas da comunidade cigana. E o que mais me escandalizou foi ver o aproveitamento político da questão a nível nacional, por um partido radical, cheio de gente piedosa, tão santa como os fariseus e doutores da lei dos tempos bíblicos. 
Lembrei-me a este propósito do primeiro bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, que nos anos 90 do século passado, denunciava as freguesias «ultra-cristãs» que tocavam os sinos da igreja a rebate para expulsar os ciganos das suas localidades. A sua denúncia profética mostrava a incoerência entre a fé e os atos que praticavam. 

O mesmo se passa com estes novos radicais que, através de preconceitos, baseados no ódio e até racismo, querem capitalizar e ganhar votos à custa da perseguição a outros seres humanos.

Existe gente boa ou má em todos os povos e etnias. Não se pode medir o todo pela parte. 

Há alguns anos, lecionava numa escola do Porto onde havia um grande número de alunos ciganos. Quando lá fui colocado, nenhum deles frequentava a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, pois quase todos eram cristãos evangélicos. Contudo, um dia, tudo mudou. 
Ouvindo eu o barulho de uma grande confusão no corredor, vim ver o que se passava. Um aluno falava muito alto e não acatava as instruções da auxiliar de ação educativa. Batia nos armários e cacifos. Tive de agir. Disse ao aluno que se moderasse e que respeitasse a funcionária pois ela até já poderia ser sua avó. Ele respondeu-me que eu era apenas «um padreco que ensinava os betinhos». Informei-o, com firmeza, que por acaso não era padre, e que era casado e pai de família, não admitindo a ninguém que faltasse ao respeito a alguém dentro da escola, muito menos a uma senhora.

Sanada a situação, a funcionária veio dizer-me «ó professor, porque se meteu? Sabe que ele era cigano? Vai ter problemas». 

No dia seguinte, ao chegar à escola tinha o patriarca da comunidade e muitos homens da comunidade cigana à minha espera. O patriarca dirigiu-se a mim dizendo: «o senhor é o professor da religião moral?». «Sou, sim senhor», respondi. «O senhor chamou à atenção o meu neto ontem?». «Chamei, sim senhor, porque ele estava a ser indelicado com uma senhora e eu não posso ver e ficar calado».

O ancião ficou a olhar para mim e acrescentou: «Nós não somos da religião católica, somos evangélicos. Mas, como aqui na escola não há professor da nossa religião, e o senhor mostrou coragem e força na fé, e eu quero que os meus respeitem toda a gente e sejam respeitados, a partir de amanhã, todos os alunos ciganos vão passar a ir às aulas de religião moral!»

Dito e feito. Nos dias seguintes, as turmas aumentaram de número passando toda a comunidade cigana a estar nas aulas de Educação Moral e Religiosa Católica. Sempre se comportaram bem e eram assíduos. Ficavam orgulhosos quanto partilhavam as suas tradições e convicções. O conhecimento destrói os preconceitos.

Tratemos todas as pessoas como seres humanos, e que haja uma só lei para todos: a lei da sã convivência e do respeito.

 

Sérgio Carvalho, Professor e Jornalista

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