Em Portugal, sempre que há uma nesga de oportunidade, os mesmos do costume tentam reabrir a «questão religiosa» da laicidade do Estado em relação à Igreja Católica. Tudo isto veio a propósito da participação dos nossos governantes, no funeral do Papa Francisco, e da promulgação de três dias de luto nacional. Gritam a plenos pulmões a palavra de ordem: «Portugal é um país laico».
Contudo, na Constituição da República Portuguesa de 1976, a palavra “laico” — no sentido literal e explícito do termo — não aparece. O texto constitucional não usa em lado nenhum a palavra “laico” para descrever o Estado. No entanto, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas ou comunidades religiosas e a neutralidade religiosa do Estado está claramente consagrado. O artigo mais relevante é: Artigo 41.º — Liberdade de consciência, de religião e de culto, n.º 4 — “As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.”
Este artigo, juntamente com outros princípios constitucionais (como a liberdade religiosa e a igualdade de todos os cidadãos, independentemente da religião), consagra o que na prática corresponde a um Estado não confessional, mesmo que o texto não use essa palavra diretamente.
Além disso, a Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001) reforça e detalha esse princípio, regulamentando as relações entre o Estado e todas as confissões religiosas, de forma a garantir a neutralidade.
Todas as pessoas detentoras do mínimo de seriedade reconhecem que a herança cultural católica em Portugal é profunda e visível em muitos aspetos da vida pública: feriados, festas populares, património, costumes e até símbolos. Além disso, o Estado português assinou a Concordata com a Santa Sé, um acordo que regula as relações entre Portugal e a Igreja Católica (a mais recente é de 2004). Por isso, embora o Estado seja não confessional, mantém relações de cooperação com a Igreja Católica, reconhecendo o seu papel histórico e cultural.
Na Europa, existem Estados em que o catolicismo é a religião oficial, como o Liechtenstein, Malta e Mónaco, além da Cidade Estado do Vaticano, pois o Papa é o soberano, e de Andorra, em que um dos copríncipes é o bispo de Urgel, juntamente com o presidente de França. Na América, apenas a Costa Rica consagra o catolicismo como religião oficial.
A assembleia constituinte, eleita em 25 de abril de 1975, há 50 anos, teve a sabedoria e a lucidez de não cair no laicismo da Primeira República, instaurada em 1910, e com as suas leis e guerra anticatólica, nem permitir o nacional-catolicismo da Constituição de 1933 que consagrou o Estado Novo.
Aproveitemos para celebrar os 50 anos das primeiras eleições livres e da Constituição democrática em que vivemos.
Sérgio Carvalho, Professor e Jornalista